Os poemas abaixo fazem parte do livro Pedra sobre Pedra (2020). Curadoria: Mazinho Souza.
Uma canção de puro ódio que
Jamais será cantada mas que
Certamente deveria
o mito da mulher que sou
repousa no absurdo
de achar que não tem olhos
nem destino a seu caminho
que as pirâmides egípcias eram
imaginárias
que não há sensibilidade em seu corpo
nem coração em seu peito
de achar que há algum edifício a pular
depois ainda de um suicídio.
II
eu não perdôo as memórias racistas
projetadas para mim
nem as dissonâncias irresolúveis
encrostadas em minha alma.
III
de confundirem certa noção de justiça
com vingança
pegaram o pretinho menor de idade
furtando quatro barras de chocolate
pela terceira vez, no Ricoy
amordaçaram o pretinho
chicotearam suas costas
pela terceira vez, torturaram
o pretinho, quase nu
os homens não confundem nada
– na verdade, há uma alva definição
no desejo quase sexual de ser
um senhor de engenho
:
idiotas racistas sentem-se deuses com
armas nas mãos
*
menstruação de aniversário
seco-me
do papel, uma gota de sangue
cria rastro em minha mão
miro a víscera nas linhas da palma
descubro, aterrorizada
de todas as mulheres de minha casa
sou a mais viva
*
ovulação
o fio que me invade
e me arremata no cio é
puro cerol.
*
Biografia: Zainne Lima da Silva (1994) é filha de Nara-Bahia e José-Pernambuco. Moradora de Taboão da Serra, zona metropolitana de São Paulo. Bacharela e Licencianda em Letras pela FFLCHA-USP, é arte-educadora, professora do Português, poeta e prosadora. Autora de Pequenas ficções de memória, Ed. Patuá (SP, 2018); Pedra sobre pedra, Ed. Venas Abiertas (2020) e da publicação virtual independente Canções para desacordar os homens (2020), entre outras publicações coletivas e digitais.
Publicado em: 05/08/20
De autoria: casadevidro247
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia